
Ventava na varanda
e como se não houvesse música
o vento me distraía...
Dura pouco o brilho dos meus olhos.
Sem luar, sem fantasia,
onde posso me esgueirar?
Mas teu corpo, imerso em mim
Esse sim, será meu fim!
E a razão do meu cantar!
Síncope, Versos Avulsos, O Sal das Coisas e Poemas de Amor
Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.
Carlos Drummond de Andrade
"Tem dias que tua ausência me dói mais, e delicadamente sangro, como se buscasse esvaziar-me dessa dor. Tem dias que tua saudade é latejante, e grito silenciosamente por socorro. Eu sei que me escutas..."
Abre teu coração para ti mesmo
Ama com bravura e louvor
a tua vida
Faze de ti o teu bem maior
Zela cuidadoso de tua alma sem descanso
Busca dentro de ti
toda tua razão de viver
Deixa-te embriagar
no teu próprio perfume
Transforma teu ser em
tua maior divindade
Eterniza de maneira segura e tenaz
a tua palavra
Pensa por ti e para ti
Anda com os olhos altivos
e fixos no teu próprio caminhar
Constrói para ti teu refúgio de ti mesmo
Onde possas guardar-te de teus pensamentos
mesquinhos e vulgares
Rega com paciência e perseverança
o teu jardim
para que tuas flores estejam
sempre a colorir
tuas manhãs de domingo
Sê arma e escudo
E enxerga em ti a mais bela e perfeita construção
Escraviza-te de ti mesmo
Para que um dia possas
Libertar-te deste mundo
E ser do mundo
A tua liberdade sem fim.
Assim que amanhecer eu vou sair
Vou ouvir algum pássaro
Vou ouvi-lo, percebê-lo e sentir seu encanto
O encanto do canto
do pássaro a cantar
E amar o seu canto, e deixá-lo amar!
Sem me importar com a hora que passa
O carro que passa
A gente que passa
A dor que não passa
Assim que amanhecer eu vou sair
Vou sentar-me embaixo de uma árvore
E esperar meu pássaro cantar
E aprender a amar o seu canto
Que só encanta quando o pássaro
está livre para voar...
Talvez assim eu me sinta também um pouco pássaro
E me permita aprender a amar.