13 setembro, 2010




Soneto do só

Depois foi só. O amor era mais nada
Sentiu-se pobre e triste como Jó
Um cão veio lamber-lhe a mão na estrada
Espantado, parou. Depois foi só.

Depois veio a poesia ensimesmada
Em espelhos. Sofreu de fazer dó
Viu a face do Cristo ensangüentada
Da sua, imagem – e orou. Depois foi só.

Depois veio o verão e veio o medo
Desceu de seu castelo até o rochedo
Sobre a noite e do mar lhe veio a voz

A anunciar os anjos sanguinários...
Depois cerrou os olhos solitários
E só então foi totalmente a sós.

(Vinicius de Moraes)

05 agosto, 2010



Se eu pudesse evitar essa vontade de ti.
Esse não entorpecer me enlouquece.
Se tivesse ao menos o desejo de velar-te,
mas não
Quero sempre mais e mais,
teu conforto, eu sei,
não é de verdade
É mais um colchonete que um porto
é um amanhecer sobre a cidade...

E por mais que eu te peça
que me deixes em paz
a cada olhar
eu vejo o branco dos teus olhos
eu sinto teu cheiro
e esqueço quem sou

Mas preciso andar
e saber o que alimenta minha triste poesia


Não há nada que o mundo ainda não tenha colhido em mim
Cada lágrima, cada pedra de sal
Cada esfera, glóbulo ou óvulo quem tenha brotado em minha verve
É do mundo e nele está.

Me resta agora o ver-te e esperar-te
Chegar ao leito do rio
Banhar-me em sua nudez
E rumar ao céu

Sem paradas ou pedágios
Sem prenúncios nem presságios

Apenas ver-te
E ter-te
E ser-te
Como és
e como sou.

03 agosto, 2010

do amigo




Quantas noites não dormidas
em tua compania...

Quantas noites,
tão bem vividas!

Manhã nascendo
esquece o sereno
que o bicho papão
não vem hoje não

E de dia
amor e prosa:
repatir o pão

Basta uma chamamento
de mente e coração
amigo: te escolho irmão!

(para Catiuci e Rafa, com os braços sempre abertos...)

31 julho, 2010



Cavoco no baixo ventre, equilatero coração,
um motivo para teu perdão...

Bendito é o fruto do teu ventre seco.
Amém.

27 julho, 2010

taberneiro também pensa...




"Vai saber o que se passa na cabeça dessa gente... Vivem inventando um jeito de se amar! Têm sempre um trago esperando, alguma amizade e um assunto amplo, daqueles que podem durar a
noite inteira. Cruzes! E quando começam a cantar, há um repertório infinito, cada um lembra mais canções que o outro. Mas o que passa na cabeça dessa gente, gastando todo esse tempo com teorias que não se desenvolvem, com manhãs que não acordam, e com essas noites que não têm fim? Por que não sossega um pouco, essa gente? Que mania de madrugada acesa essa...."

25 julho, 2010




pode ser que haja algo além da estrada
pode ser
mas não há de ser melhor ou maior
do que o sonho que eu carrego pelo caminho

pode ser que depois de tudo eu consiga ser mais
pode ser
mas não acredito que possa avançar tanto assim
apenas sonho e sigo

crer em mim e em meu amor
a esperança no milagre
basta estar acordado
para o sonho se realizar

13 julho, 2010




Dentro do espelho, devaneio

Atravesso

A cada linha um tropeço

Sou eu quem meço

O tempo não vê tantas linhas

Apenas se esvai

Sigo refém de meu silêncio

E à procura de meu cais...


21 junho, 2010




Estamos vagando por um infinito mar de palavras
As ondas invadem o espaço, idéias e ideais
Um mar sem contornos, sem nortes, apenas o mar

Tu estás dormindo, e eu dormente
Teu corpo é duro, como um pedaço do chão, dentro do mar ainda
Mas teu coração é como se fosse o todo, o mar, belo e infinito

Tu estás dormindo, e eu doente
Teus passos não adquirem mais a cor e o amor da noite
Mas te tenho em minhas mãos como se fosse anteontem

Eu sei que tenho que te deixar partir
Mas vive em mim
esse desejo.

Tu dormes. E eu habito a casa da tua dor, na ânsia de te viver.
Tu dormes. E eu continuo acordada, esperando
Enquanto a noite não vem.

25 maio, 2010

A UM AUSENTE

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

Carlos Drummond de Andrade


"Tem dias que tua ausência me dói mais, e delicadamente sangro, como se buscasse esvaziar-me dessa dor. Tem dias que tua saudade é latejante, e grito silenciosamente por socorro. Eu sei que me escutas..."

13 maio, 2010


















Quando eu era criança
achava que crescer traria imensas mudanças

sonhava em ser outra
diferente...

A gente cresce:
pra cima
pros lados
pra dentro

mas é o mundo que muda

a gente permanece

30 abril, 2010

A mulher de Nietzsche




Sente nos dias frios vontade de sol
Sente nos dias de sol vontade de mar
E nos dias de mar vontade de amor

Mulher... demasiadamente mulher.

20 abril, 2010

A Estrutura Poética




O poema não tem começo nem fim
Não nasce nem morre
Não brota e tão pouco se esvai

Não há limítes:
O poema é um meio

19 abril, 2010

Desvio

Olhos abertos
Há um poema para cada mão
Olhos atentos
Pra não deixar que a coisa seja em vão
Olho pra dentro
A minha estrada está em construção

Se quiser prosseguir
Tome cuidado com sua razão
Vai tentando sorrir
Pra distrair seu pobre coração
Na hora de partir
Não tenha medo de morrer no chão
E se não conseguir
Tentar já foi sua grande lição

07 fevereiro, 2010

E se me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar. (Clarice Lispector)

Desde que o mundo é mundo
aprendemos a virar o mundo de ponta cabeça
para que possamos nos encaixar.
É mais fácil mudar o mundo?
É mais fácil virar o jogo?
Lembra aquele poema, acerca da vida
cheiro de sons e amores, cheio de alegria...
Desde sempre eu sou o que sou,
quero mudar, mas
{não consigo
{não preciso
{não quero
{pra quê
?????????????????????????????

Esquece o mundo
e vamos nos perder de vez em nós mesmos.

20 setembro, 2009

quando você podia ser tudo
resolveu ser um nada
e agora quer ocupar o espaço...

todo o tempo pedido é perdido
mas nem todo o resto do tempo é perdoado.

08 setembro, 2009

Da primeira vez que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha...

E hoje, dos meu cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada
Arde um toco de vela, amarelada...
Como o único bem que me ficou!

Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Ah! Desta mão avaramente adunca
Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!

Aves da Noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como um ai,
A luz do morto não se apaga nunca!

(Mário Quintana - A Rua dos Cataventos)

18 agosto, 2009



o teu olhar suspeito

não deixa dúvidas

mira meu peito

e acerta meu coração


o que trazes de novo?

o que queres de mim?

sobre o amor


Gosto de sentir o teu gosto
roçando minha garganta
e a insensatez é tanta
que não posso dominar
tudo em mim é só vontade
tudo em volta é nosso canto
e do riso faz-se o pranto
do meu gozo e de te amar

29 julho, 2009

Sobre o não-amor




Só o que não cabe no amor é o cego egoísmo pragmático dessas almas carentes de sensibilidade. Essa altivez pérfida corrompe o que há de belo, destrói qualquer pretensão de amor, e ainda faz de tudo para provar que o amor não existe, é um carrasco que se enreda nas próprias correntes.
É um golpe estúpido.
Quem ama abandona-se no outro, pelo outro e para o outro.
O egoísmo é a ferrugem no leito dos amantes.

08 julho, 2009



HAIKAI PARA UMA HISTÓRIA DE AMOR

Começa meio assim:
Dois corações
se batem...

07 julho, 2009

Lady Sometimes




Às vezes é preciso ficar longe
sem mudança ou viagem,
apenas ficar olhando de fora
observando os passos e os jeitos

Às vezes é preciso evadir-se do corpo
Sair por andar, sem corpo
Deixar só a alma em atendimento
Para a recuperação do flagelo

Às vezes é preciso tempo de silêncio
Dormência nos ouvidos,
Os lábios vagabundos
Analgesia de sentidos

É preciso descansar
e fechar-se para balanço.

18 março, 2009

antes do dia nascer



Dessa estrada carrego apenas a palavra
ouvida e sentida, com o revés do tempo
deixo as mágoas e as mágicas
as pedras e as pérolas
amores, humores e o que mais pesar

Dessa estrada, nada quero em meus ombros
apenas o peso do sol
rasgando minhas costas
nuas de arrependimento
seca é a lágrima
muito sal no pensamento

Dessa etrada nada resta
apenas meu vazio
profundo
pacífico
e ilusório

Resta apenas a estrada:
a canção
o pó
e o verso.

18 julho, 2008

Convite




Vem ver o sol nascer comigo
Vem cá, brincar no meu umbigo
Vem me dizer palavras toscas
que os outros não sabem dizer

Vem, pra brincar na minha pele
Se deleitar nos meus anseios
Se enredar nos meus cabelos
Venha comigo viver...

Venha que a noite é uma festa!
E eu sei te dar toda a beleza
que você quer depois da mesa
Venha! Que eu tenho muito amor

E os teus desejos mais profundos
São meus brinquedos de calor

Venha que eu sei, neste segundo,
você não quer saber de dor

06 março, 2008

ainda assim eu tento recuperar o tempo.
aqui há tanta coisa do mundo
há tanta coisa de amar
e tanta coisa de se sentir
que mesmo ao tempo não há nada mais a fazer
do que assistir à toda falta de espetáculo

correr para o teatro e esperar o palhaço chegar.
Estou de fora,
eu sei
já fechei a porta.

Mas ainda tenho a chave
guardada no bolso

08 novembro, 2007





e se pudéssemos admitir por um instante
que o sopro de vida em cada verso
que todo o encanto e todo o belo
são demais amor sem fim?

e se pudéssmos olhar pela janela
sem esperar que nada passe
que nada mude e permaneça
em teu colo o meu mundo de marfim?

e se a calma brisa que toca o meu ser
e invade o teu espaço neste instante
te mostrasse um pouco mais
do que muda muito em mim?

e se eu te amasse, simplemente

assim?

26 setembro, 2007

Inventei nosso segredo
E na nossa cabeceira
Recordei o sonho antigo
Tantas cartas redigidas
Hoje guardam nossa história
Dentro de meus velhos livros

Ainda lembro cada passo
Cada esquivo, cada canto
Cada gesto matinal
Cada cor em seu cabelo
Cada riso, cada cheiro,
Cada pedra no quintal

E no entanto nada resta
Muito pouco, só resquícios
Deste mundo abandonado
Insistentes fantasias
Que flutuam nos meus versos
De inocente desvairado

Na manhã em que partistes
No delírio de perder-te
Aceitei a solidão
Fiz meus nervos doloridos
enfeitarem-se de aço
Corroeram-se em vão

Vi chover por sete dias
E as paredes lentamente
Entregarem-se ao bolor
Vi chorar por sete noites
Como eu, cada tijolo,
Em cada espaço uma dor

Quando o sol enfim voltou
Me encontrou desavisado
Quase cega meu olhar!
E de louco, desvairado,
Me escondi entre as cobertas
Era doce o meu penar...

Mas no fim da primavera
Relutante, qual criança
Resolvi amanhecer
E por mais que tu não voltes
Meu jardim ainda precisa
De alguém pra lhe prover

Jardineiro eu vou, sem medo
Terra fértil, sol e água
Transitando entre as folhagens
Esse verde me serena
Porque em cada planta minha
Surge a tua bela imagem

E por mais triste lhe pareça
Não me impoto de encontrar
Teu sorriso em cada flor
Hoje eu vivo a compensar
Toda falta de cuidado
Que não dei ao nosso amor.

27 fevereiro, 2007




Um quase beijo teu
A me roubar a céu
Colorido labirinto
Perdi-me entre flores
E inebriante véu.


Um quase amor cintila
A te roubar adeus
E na lágrima contida
Entre dedos foge a noite
E o amor nunca foi meu.

07 janeiro, 2007




Mas foge de mim...
É moço calado
E não acha tempo
De ser namorado

No rosto bonito
Um sorriso cansado
No peito doído
Um beijo guardado

Segredo de luz
Qual nuvem faceira
Vagando sem medo
Por entre as fogueiras

Mas foge de mim...
Se perde em si mesmo
O olhar serenado
Andando a esmo

Sonhando de banda
Pisando na flor
Matando em silêncio
Um resto de amor

28 novembro, 2006

Carta nº 001

Te quero – Mário Benedetti

Tuas mãos são minhas carícias
Meus acordes cotidianos
Te quero porque tuas mãos
Trabalham pela justiça
Se te quero é porque tu és
Meu amor, meu cúmplice e tudo
E na rua, lado a lado
Somos muito mais que dois
...continua

____________________________________________

Pense em uma teoria do amor. Pense numa forma simples e correta de avaliamos e realizarmos todas as coisas da vida. Pense numa teoria de encanto, de respeito, de graça, entrega, ternura e calor. Pense numa teoria com dúvidas sinceras, medos justificáveis, fraquezas reconhecidas e totalmente sem pudor. Uma teoria de perdão e coerência. Pense numa teoria da paz, pense no amor como um caminho ainda a ser descoberto em nosso cotidiano para alcançarmos os valores dessa teoria, e que nos possibilite administrarmos nossa solidão...

20 novembro, 2006

Tudo Bem, meu bem.

Isaac acabara de cumprimentar Nara e Wagner quando Luana, segurando delicadamente seu braço esquerdo, conduziu-o até um canto da sala, a fim de que pudessem conversar a sós. Ela, com o olhar cabisbaixo, num misto de tristeza e desconforto, suplicava em silêncio para que ele a acompanhasse sem relutar. E ele, com uma paciência que só o amor confere às pessoas amantes, pediu licença aos amigos, e a seguiu, certo de se tratava de algo importante. E era mesmo:

- Vamos embora Isaac, cansei-me já.

- Mas nós acabamos de chegar, minha querida. O que houve?

- Não, vamos embora deste planeta, deste mundo, vamos embora de tudo!

Nara interrompe os dois, oferecendo uma taça de vinho a cada um.

- Ô Isaac, tão cedo e já em conferência com a Luana sobre todas as coisas! Bebam um pouco e vamos rir com os outros.

- Já vamos indo. – disse Luana, aceitando a taça num gesto simultâneo ao de Isaac.

A jovem suspirou longamente com os olhos no chão e, levandtando a cabeça, repetiu:

- Vamos embora de tudo Isaac, é sufocante demais. Olha só à minha volta, todo mundo se fazendo feliz, esperando que a gente faça as mesmas coisas de sempre, querendo rir das mesmas graças.

- Mas Luana, o que houve?

- Você não está me escutando: eu apenas quero partir, não aconteceu nada, nunca acontece. A gente é que acontece de maneira errada e se perde nesse entrevero. Sem entender bulhufas sobre tudo que há em nós e sempre fingindo que está indo bem. Todos te olham, te querem, mas não procuram te entender. E o que há em nós pra ser compreendido ou desvendado? Nem sabemos que existem verdades! E os muitos que em nós deixamos calar... E tudo o que a gente não pode fazer... Nada vai mudar Isaac, nada! É o fim!

- Minha querida... Minha Lua, vem cá...

Isaac riu, passou carinhosamente a mão nos cabelos de Luana e a abraçou, colocando a cabeça dela na altura de seu coração, como costumava fazer quando queria confortá-la. Na primeira vez em que dormiram juntos, ainda suados e confusos pelo excesso de sexo e álcool da noite, ele fez o mesmo gesto e a aconchegou cuidadosamente em seu peito. Naquela noite de inverno em que começaram a namorar, não foi o frio que a conservou na mesma posição a noite inteira, envolvida nos braços de seu amado. O que a manteve lá, quieta e tranqüila como a Lua, foi a deliciosa sensação de segurança e ternura sinceras que aqueles braços macios lhe traziam.

Agora, vivendo a mesma atmosfera mágica desse abraço que sempre a acalmava, sabia de tudo novamente. E sentindo o cheiro de Isaac lhe embriagar, escutando de perto o coração do moço a bater, ela o apertou com força, suspirou novamente e disse sorrindo, olhando-o nos olhos pela primeira vez na noite:

- Tudo bem, meu bem. Vamos abrir outra garrafa de vinho!



Distante do nosso quintal viajas em teus sonhos
e teimas em fazer de seu tempo um tempo só seu
Por que te olham, te ouvem, te querem?
O que escondes de encanto nesse riso louco?
O que te faz assim, tão universal?

Creio-me livre
vivo corajosamente
minha solidão
Sinto-me só

Creio-me viva
e faço meus dias
serem o que quero
Sigo-me só

Vivo-me apenas
Sem me importar
se me querem, me olham ou me escutam.
A mim me basta minha solidez e minha solidão.

19 novembro, 2006

O ALBATROZ

Às vezes, por prazer, os homens da equipagem
Pegam um albatroz, imensa ave dos mares,
Que acompanha, indolente parceiro de viagem,
O navio a singrar por glaucos patamares.

Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés,
O monarca do azul, canhestro e envergonhado,
Deixa pender, qual par de remos junto aos pés,
As asas em que fulge um branco imaculado.

Antes tão belo, como é feio na desgraça
Esse viajante agora flácido e acanhado!
Um, com cachimbo, lhe enche o bico de fumaça,
Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado!

O Poeta se compara ao príncipe da altura
Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar;
Exilado ao chão, em meio à turba obscura,
As asas de gigante impedem-no de andar

Charles Baudelaire

16 novembro, 2006

O Primeiro Beijo

"Hold me tight! Tonighg!"

E um dia eu descobri
que gostava de te olhar
e de escutar sua voz macia e fecunda
e que gostaria de conversar contigo
durante muito tempo.

E a falta veio.
Vi o amor brotar no seu olhar.

Houve uma distância intolerável entre os corpos...

Seu pé me pescou,
e tudo aconteceu.

08 novembro, 2006

Poema da Bailarina




Voa a folha na rua
Ao vento seco que o tempo impõe.
Tropeça
Tomba
E segue bêbada
A se despedaçar
Mesmo assim, suas bases persistem
Emprestando uma terna bravura
À sua poesia.

Dança assim a bailarina insone,
Sempre perdendo pedaços pelo caminho...

07 novembro, 2006


Olho a rua que passa

Sim! A rua passa por mim!

Eu, centro de meu universo

Eternamente ancorada neste porto de lágrimas

A rua passa febril

Está resfriada, congestionada

Espirra gente por todos os lados!

- Esta rua precisa de um analgésico!

E eu, sentada, cansada, encurvada

Encantada...

Continuo ancorada neste meu centro.

E nada posso fazer

A não ser

Pedir outro café.

15 setembro, 2006




Sobe o mais alto que pode
a alegria da flor na flor de voltar
e grita, como um pássaro agonizante
a fome que tem de voar
reter tudo, até mesmo a chuva
que insiste em tornar lama
todo o teu resto de pó
não reage, fica mais
sofre mais um pouco aqui comigo
deixa a festa de lado
e aceita o teu presente de dor!
Fecha os olhos:
Eis a luz entre o fracasso e a poesia.

12 setembro, 2006




Todas as horas
em que não estás comigo
pesam,
como se eu precisasse,
a todo instante,
dividir contigo minha solidão.
Saudades...
A distância dói,
uma dor colorida e sem culpa.
Te amo
de amor de alma, corpo
e coração.

24 agosto, 2006




















Os anjos e os demônios
que me habitam
já se acostumaram a me perdoar,
e até silenciam
quando minhas vozes
teimam em não calar.

Qual será a medida para tamanha força?
Que Deus sabe impor-se assim,
sobre meus anjos e demônios?

Qual Deusa me desabilita?

08 agosto, 2006




Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
Como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que os homens se comunicam.)


(Carlos Drummond de Andrade)

02 agosto, 2006

El Mundo

Um hombre del pueblo de Neguá, em la costa de
Colômbia, pudo
subir al alto cielo.

A la vuelta, conto. Digo que había contemplado,
desde allá arriba, la
vida humana. Y dijo que somos um mar de
fueguitos.

- El mundo es eso – revelo – Um montón de gente,
un mar de
fueguitos.

Cada persona brilla com luz própria entre todas
las demás.

No hay dos fuegos iguales. Hay fuegos grandes y
fuegos chicos y
fuegos de todos los colores. Hay gente de
fuego sereno, que ni se
entera del viento, y gente de fuego loco que
llena ela ire de chispas.
Algunos fuegos, fuegos bobos, no alumbrn ni
queman; pero otros
arden la vida com tantas ganas que no se
puede mirarlos sin
parpadear, y quien se acerca, se enciende.
(Eduardo Galleano)


... e de te amar assim muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude...
(V.M.)

26 julho, 2006




Hoje acordei meio bicho.
E há coisa pior do que ser homem
e acordar bicho
no mundo dos homens?
É por isso que nunca consigo ir adiante em Metamorfose, de Kafka.
Sinto-me um tanto Gregor Samsa,
e sei como é difícil encarar os olhares.
Ser homem
Uma dor de peito
Que me faz chorar
E não chorar...
Essa desesperança cinza
Que desbota dia-a-dia
as paredes de meu castelo.

23 julho, 2006



Não! A tristeza só não basta!
Há que sentir-se triste, saber-se triste
E mesmo assim estar alegre

Ao mundo o que é do mundo
A carne, o riso, o contentamento de estarmos vivos

Ao poeta o que é do poeta
A dor de permanecer só...
A lástima de perder-se cada vez mais...
E a certeza de carregar para si todas as tristezas de seu mundo.

22 julho, 2006




Tua mão na minha mão
Caminhantes
que flutuam sobre os
enfeites noturnos das cidades.

Tua mão no meu cabelo
Mágica e serenidade,
brincam os dedos e os fios
num faz-de-conta de ternura.

Tua mão na minha face:
As visões do belo em mim...

19 julho, 2006

saudades




Não é essa vontade absurda de
ver-te entrar por todas as portas que me cercam.
Nem o desejo amiúde de estar sempre
ouvindo tua voz a me cantar sobre os teus dias.
Não é o sofrimento imaculado de minha mão
minha triste e pálida e cálida mãozinha
que não quer mais ser minha
que precisa das tuas para não tremer
na madrugada rude e fria.
Não é minha alma que suspira,
os olhos que lacrimejam,
ou o gosto acre e saboroso de vida
que arde no meu corpo
quando lembra do teu corpo.
Nada disso me assusta.

O meu medo é que essa falta
Torne-se um vício torturante e belo.
O amor sempre chega
cheio de saudades...


W. Nietzsche:
Du fehlst mir!

10 julho, 2006



Abre teu coração para ti mesmo

Ama com bravura e louvor

a tua vida

Faze de ti o teu bem maior

Zela cuidadoso de tua alma sem descanso

Busca dentro de ti

toda tua razão de viver

Deixa-te embriagar

no teu próprio perfume

Transforma teu ser em

tua maior divindade

Eterniza de maneira segura e tenaz

a tua palavra

Pensa por ti e para ti

Anda com os olhos altivos

e fixos no teu próprio caminhar

Constrói para ti teu refúgio de ti mesmo

Onde possas guardar-te de teus pensamentos

mesquinhos e vulgares

Rega com paciência e perseverança

o teu jardim

para que tuas flores estejam

sempre a colorir

tuas manhãs de domingo

Sê arma e escudo

E enxerga em ti a mais bela e perfeita construção

Escraviza-te de ti mesmo

Para que um dia possas

Libertar-te deste mundo

E ser do mundo

A tua liberdade sem fim.

08 julho, 2006




Às vezes sinto que

não tenho pena de me desfolhar.

E sigo arrancando páginas de mim,

e dói, eu sei...

Mas é necessário

despir-se

para ver-se

em verso.

06 julho, 2006






Sim,
eu sinto seu cheiro
antigo
durante o dia inteiro
e entrego-me
com sensibilidade e lucidez
a esse
perfume
de
novo
amor...

27 junho, 2006




















Táctica y estratégia – Mário Benedetti


Mi táctica es
mirarte
aprender como sos
quererte como sos

mi táctica es
hablarte
y escucharte
construir con palabras
un puente indestructible

mi táctica es
quedarme en tu recuerdo
no sé cómo ni sé
con qué pretexto
pero quedarme en vos

mi táctica es
ser franco
y saber que sos franca
y que no nos vendamos
simulacros
para que entre los dos
no haya telón
ni abismos

mi estrategia es
en cambio
más profunda y más
simple

mi estrategia es
que un día cualquiera
no sé cómo ni sé
con qué pretexto
por fin me necesites.

24 junho, 2006




Eu quero essa moça que dança
E embriagar-me na sua esperança
E perder-me em meu coração
Quero amar como o último instante
E sonhar por espaços errantes
E descalço pegar-lhe nas mãos
Quero ter por completo sua vida em mim
e viver de um amor que não tenha fim
E chorar de saudades
Quando ela se for...

Caio-me vazia
em dor de alma e nostalgia
aquieto-me, triste
com saudades de um amor que não existe
e minha voz
que antes ecoava
pelos inebriantes salões da paixão
Cala-se, impotente
Por sentir-se eternamente
Em busca da solidão.

11 junho, 2006


Assim que amanhecer eu vou sair

Vou ouvir algum pássaro

Vou ouvi-lo, percebê-lo e sentir seu encanto

O encanto do canto

do pássaro a cantar

E amar o seu canto, e deixá-lo amar!

Sem me importar com a hora que passa

O carro que passa

A gente que passa

A dor que não passa

Assim que amanhecer eu vou sair

Vou sentar-me embaixo de uma árvore

E esperar meu pássaro cantar

E aprender a amar o seu canto

Que só encanta quando o pássaro

está livre para voar...

Talvez assim eu me sinta também um pouco pássaro

E me permita aprender a amar.

10 junho, 2006



A sós

Desfazem-se os nós.

E enquanto espero meus próximos eus

brinco na paisagem

do seu olhar
“¿porque me miras
Si no me sacas a bailar?”

19 abril, 2006

valsinha

Ao som das sete cordas
Ele percebeu
Que o sol já não brilhava mais

Saiu por uma porta
Que se abriu no tempo
E foi buscar a sua paz

Olhou a rua e com os
pés descalços, frios,
Cheio de ternura e dor

Encheu-se de fina tristeza
E na paisagem
Procurou por seu amor...

E então a deusa viva,
Que voava ao vento,
Vendo tanta solidão

Chegou ao seu ouvido
Como fosse um grito,
Assustando o coração

Lhe disse do dia mais belo
Que lhe libertara
De tanta prisão

Calou-lhe num sincero beijo
E voltou ao vento
Ver do céu a escuridão...

E ele emocionado
Meio envergonhado
De tanto se lamentar

Encheu-se de voraz coragem
E na claridade
Pôs-se a caminhar

Banhado pela luz da lua
Esqueceu de tudo
Que o fez penar

E o dia amanheceu
E ele adormeceu
Em paz...

18 abril, 2006





qualquer palavra
agora! já!
uma alavanche de fonemas
que mudem minhas margens de lugar,
que traduzam minhas linhas,
qualquer palavra muda, calma,
com alma,
com gesto e cor,
uma sílaba, uma frase,
um sujeito, um sintágma,
uma interjeição!
qualquer palavra crua, dura e tenaz,
que silencie essas tantas vozes
que dentro de mim
me alucinam
que dentro de ti
me enlouquecem
e que no papel
me saciam...

17 abril, 2006


O homem é, sem dúvida, uma fonte inesgotável de contradições. Talvez por sua falta de natureza e seu excesso de liberdade e espaço, o ser humano, ser inexplicável, ser incompreensível, ser sem serventia e centralizador do mundo nunca consiga harmonizar o que pensa com o que sente, o que sente com o que faz e o que faz com todo o resto. A impulsividade não o poupa de estar sempre vacilando. Age de forma impensada, sim, há coragem, plena consciência, vontade, gana, desejo, e no instante seguinte algo o torna pequeno, covarde, ausente, uma indecisão, uma falta de norte, de rumo, a lucidez sem caminho, o caminho sem ar. Se fosse bicho, saberia exatamente o que fazer. Mas é homem, é duro quando deveria ser terno, é frio quando deveria ser sangue, e intempestivo quando a temperança deveria controlar seus ânimos... é homem... não sabe viver. É José a recuar, é Maria a questionar, é João que sonha e não vive, é Ana que sonha e vive!

Nós somos a única contradição no mundo.

Nós não sabemos usar a razão para viver.

Nós deveríamos nem existir.

Na verdade nós nem existimos: somos uma alucinação coletiva.

Deveríamos tentar viver como pássaros, buscar lá no fundo de nossa alma um restinho de instinto básico, uma fração de nosso perdido manual de instruções. Dentro dele deve estar guardada a receita para agir com coerência, amar com paciência e viver com consciência.

16 abril, 2006

14 abril, 2006


Chega um tempo bom e simples.
Há tantas páginas soltas
Alimentando a insegurança e o medo de ser.
Mas minhas mãos trazem o cheiro das
Palavras... estão vivas,
A bailar pelas escadas.
Guarda o meu sorriso, que
No tempo preciso
Ele te aquecerá.

11 abril, 2006

Intervenção cirúrgica


Chegou o dia operação.
Tinha um problema grave no coração, uma palpitação que fazia lhe arder o peito.
- bisturí!
- Não temos doutor, só um velho marcador de páginas.
- Extensor!
- Só Tolstói capa dura.
- Os sinais estão estáveis?
- Por enquanto sim, está a declamar sonetos de Neruda.
Pi... Pi... Pi... Pi... Pi... Pi...
- Não estou conseguindo... Há uma hemorragia... bem na veia poética da moça... Sinais estáveis?
- Não me parece bem. Florbela Espanca talvez...
Pi.. Pi... Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
- Tente uma dose de nostalgia!
- Nada Doutor.
- Euforia... a Catarse!
- Não, nada ainda.
- Não reage.
- Perdemos a paciente.
- Não... Acho que nasceu uma poeta.