Hoje fiz a coisa
mais burguesa
a se fazer em
uma terça à tarde:
tirei o sono do atraso.
Está decidido
contra o capital
minha vingança
será dormida.
Síncope, Versos Avulsos, O Sal das Coisas e Poemas de Amor
Hoje fiz a coisa
mais burguesa
a se fazer em
uma terça à tarde:
tirei o sono do atraso.
Está decidido
contra o capital
minha vingança
será dormida.
Primeiro a gente perde a vergonha. De existir, de andar no mundo, de falar em público, perde a vergonha de se emocionar, de sentir, como a criar um couro na cara, invencível despudor, o poder de emanar nossa presença.
Depois de perder a vergonha, a gente perde medo. O assalto da coragem no primeiro passo, assim que de pronto firmamos em marcha, tomamos o rumo. Depois do medo a gente destrava, caminha, nem que seja pra fazer vento e sentir as cócegas de um futuro na barriga ou no pescoço de alguém.
Depois, água.
Conheci um homem
que carregava consigo
sua dignidade de menino.
Ele me contou
que ainda jovem
compreendeu o motivo da seda: carícia.
Com duas mãos de orvalho
tocou meus olhos de lágrima
e veja bem: não doeu.
Depois, não sei: parece que engoli uma estrela.
E entre um soluço e outro,
ensaiam-se cócegas
um sorriso
e a paz de quem espera.
MOTE PARA UM SAMBA CONTRA-OSTENTAÇÃO
Na roda gigante da vida
As vezes a volta é por baixo.
Atravessamos juntos
O abismo da saudade
Pontes sobre o nada
Pela força da idade
Nos encontramos serenos
Despidos de mocidade
Nos habitamos a esmo,
Repletos de intensidade
Acordar mais cedo
Despertar com sorte
Evitar a morte
Para sustentar
Acordar com medo
Ir dormir mais cedo
Inventar um sonho
Para conservar
Acordar pra morte
Evitar a sorte
Despertar do sonho
Inventar AMAR
Acordar pra sorte
De deitar cabelo
Enfrentar o medo
De se levantar
E caminhar...
Caminhar.
Baby, não deu pra esperar
Eu sei que você queria
Mas não deu pra ficar
Desculpe a louça na pia
E tanta fumaça no ar
Baby, peguei seu casaco
Pro caso de tempo ruim
As vezes preciso de abrigo
Às vezes me escondo de mim
Mas baby, eu tive que ir
Deixei uma nota de cem
Pro caso da casa cair
Plantar silêncios
entre os pelos do teu corpo
Criar sulcos, redemoinhos afetivos
Regar com a água da boca
Comprei um perfume
para o dia do nosso encontro
mas sou ansiosa
e já o estou usando:
Apressa-te.
~ Vibrar na alegria, acolher o vento. Sentir o coração em todo o corpo, conter a emoção sem deixar de ser sentimento. Sentir que partir é poder perder-se em infinitas possibilidades, mas na certeza de um só encontro: um outro consigo mesmo. A sina, o amor e o viver do tempo. O verbo é ser, seguir, sorrir, saber sentir, se florescer, se seduzir, se agigantar no entendimento. ~
Alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarinho.
🌠
Geralmente, tropeço. É característico: um desajeito no caminhar, como se nunca firmasse a marcha, como se ainda ensaiasse os movimentos de um pé depois o outro. Quando em reta, corpo inteiro, desabo em mistérios no asfalto do chão. No declive, me esguio e surfo à baila de espiral e vento. Nos degraus ascendentes, cuidado permanente em manter presos, na boca, todos os dentes.
Mas o pulso firma, me ergo, e ao ver a sombra do meu corpo em movimento, lutando contra a gravidade, penso que grave mesmo é cair e ficar estático. Enquanto houver sol haverá sombra, e haverá luta, e eu seguirei, com um pé após o outro, aprendendo caminhar.
hoje eu tinha me programado:
quando chegasse a noite
quando tudo se acalmasse
passadas as horas de trabalho
encerradas as tarefas domésticas
quando todos os animais estivessem alimentados
eu me sentaria
quieta
e escreveria um poema
com versos de amor
pra te paquerar
era esse o meu planejamento:
ouvir os ecos eróticos que ainda restam no meu corpo
aproveitar essa onda de calor
em meio ao inverno chuvoso
e te mandar um poema-fogueira
como um braseiro que atravessasse infinitos caminhos digitais
para chegar ateh teus olhos
e aquecer teu coração.
assim seria se não fosse essa dura realidade
fui atropelada
invadida
saqueada
esvaziaram o estoque de palavras amorosas
quando vi as prateleiras vazias de versos
chorei
chorei ateh soluçar
tentei meditar em vão
tentei perdoar os invasores
e não adiantou
pois sei que fui eu que abri a porta.
enfim, faça-se pelo menos o registro da ocorrência
em vez de um poema de amor
te envio o B.O.
e
podes queimar depois de ler.