26 julho, 2006




Hoje acordei meio bicho.
E há coisa pior do que ser homem
e acordar bicho
no mundo dos homens?
É por isso que nunca consigo ir adiante em Metamorfose, de Kafka.
Sinto-me um tanto Gregor Samsa,
e sei como é difícil encarar os olhares.
Ser homem
Uma dor de peito
Que me faz chorar
E não chorar...
Essa desesperança cinza
Que desbota dia-a-dia
as paredes de meu castelo.

23 julho, 2006



Não! A tristeza só não basta!
Há que sentir-se triste, saber-se triste
E mesmo assim estar alegre

Ao mundo o que é do mundo
A carne, o riso, o contentamento de estarmos vivos

Ao poeta o que é do poeta
A dor de permanecer só...
A lástima de perder-se cada vez mais...
E a certeza de carregar para si todas as tristezas de seu mundo.

22 julho, 2006




Tua mão na minha mão
Caminhantes
que flutuam sobre os
enfeites noturnos das cidades.

Tua mão no meu cabelo
Mágica e serenidade,
brincam os dedos e os fios
num faz-de-conta de ternura.

Tua mão na minha face:
As visões do belo em mim...

19 julho, 2006

saudades




Não é essa vontade absurda de
ver-te entrar por todas as portas que me cercam.
Nem o desejo amiúde de estar sempre
ouvindo tua voz a me cantar sobre os teus dias.
Não é o sofrimento imaculado de minha mão
minha triste e pálida e cálida mãozinha
que não quer mais ser minha
que precisa das tuas para não tremer
na madrugada rude e fria.
Não é minha alma que suspira,
os olhos que lacrimejam,
ou o gosto acre e saboroso de vida
que arde no meu corpo
quando lembra do teu corpo.
Nada disso me assusta.

O meu medo é que essa falta
Torne-se um vício torturante e belo.
O amor sempre chega
cheio de saudades...


W. Nietzsche:
Du fehlst mir!

10 julho, 2006



Abre teu coração para ti mesmo

Ama com bravura e louvor

a tua vida

Faze de ti o teu bem maior

Zela cuidadoso de tua alma sem descanso

Busca dentro de ti

toda tua razão de viver

Deixa-te embriagar

no teu próprio perfume

Transforma teu ser em

tua maior divindade

Eterniza de maneira segura e tenaz

a tua palavra

Pensa por ti e para ti

Anda com os olhos altivos

e fixos no teu próprio caminhar

Constrói para ti teu refúgio de ti mesmo

Onde possas guardar-te de teus pensamentos

mesquinhos e vulgares

Rega com paciência e perseverança

o teu jardim

para que tuas flores estejam

sempre a colorir

tuas manhãs de domingo

Sê arma e escudo

E enxerga em ti a mais bela e perfeita construção

Escraviza-te de ti mesmo

Para que um dia possas

Libertar-te deste mundo

E ser do mundo

A tua liberdade sem fim.

08 julho, 2006




Às vezes sinto que

não tenho pena de me desfolhar.

E sigo arrancando páginas de mim,

e dói, eu sei...

Mas é necessário

despir-se

para ver-se

em verso.

06 julho, 2006






Sim,
eu sinto seu cheiro
antigo
durante o dia inteiro
e entrego-me
com sensibilidade e lucidez
a esse
perfume
de
novo
amor...

27 junho, 2006




















Táctica y estratégia – Mário Benedetti


Mi táctica es
mirarte
aprender como sos
quererte como sos

mi táctica es
hablarte
y escucharte
construir con palabras
un puente indestructible

mi táctica es
quedarme en tu recuerdo
no sé cómo ni sé
con qué pretexto
pero quedarme en vos

mi táctica es
ser franco
y saber que sos franca
y que no nos vendamos
simulacros
para que entre los dos
no haya telón
ni abismos

mi estrategia es
en cambio
más profunda y más
simple

mi estrategia es
que un día cualquiera
no sé cómo ni sé
con qué pretexto
por fin me necesites.

24 junho, 2006




Eu quero essa moça que dança
E embriagar-me na sua esperança
E perder-me em meu coração
Quero amar como o último instante
E sonhar por espaços errantes
E descalço pegar-lhe nas mãos
Quero ter por completo sua vida em mim
e viver de um amor que não tenha fim
E chorar de saudades
Quando ela se for...

Caio-me vazia
em dor de alma e nostalgia
aquieto-me, triste
com saudades de um amor que não existe
e minha voz
que antes ecoava
pelos inebriantes salões da paixão
Cala-se, impotente
Por sentir-se eternamente
Em busca da solidão.

11 junho, 2006


Assim que amanhecer eu vou sair

Vou ouvir algum pássaro

Vou ouvi-lo, percebê-lo e sentir seu encanto

O encanto do canto

do pássaro a cantar

E amar o seu canto, e deixá-lo amar!

Sem me importar com a hora que passa

O carro que passa

A gente que passa

A dor que não passa

Assim que amanhecer eu vou sair

Vou sentar-me embaixo de uma árvore

E esperar meu pássaro cantar

E aprender a amar o seu canto

Que só encanta quando o pássaro

está livre para voar...

Talvez assim eu me sinta também um pouco pássaro

E me permita aprender a amar.

10 junho, 2006



A sós

Desfazem-se os nós.

E enquanto espero meus próximos eus

brinco na paisagem

do seu olhar
“¿porque me miras
Si no me sacas a bailar?”

19 abril, 2006

valsinha

Ao som das sete cordas
Ele percebeu
Que o sol já não brilhava mais

Saiu por uma porta
Que se abriu no tempo
E foi buscar a sua paz

Olhou a rua e com os
pés descalços, frios,
Cheio de ternura e dor

Encheu-se de fina tristeza
E na paisagem
Procurou por seu amor...

E então a deusa viva,
Que voava ao vento,
Vendo tanta solidão

Chegou ao seu ouvido
Como fosse um grito,
Assustando o coração

Lhe disse do dia mais belo
Que lhe libertara
De tanta prisão

Calou-lhe num sincero beijo
E voltou ao vento
Ver do céu a escuridão...

E ele emocionado
Meio envergonhado
De tanto se lamentar

Encheu-se de voraz coragem
E na claridade
Pôs-se a caminhar

Banhado pela luz da lua
Esqueceu de tudo
Que o fez penar

E o dia amanheceu
E ele adormeceu
Em paz...

18 abril, 2006





qualquer palavra
agora! já!
uma alavanche de fonemas
que mudem minhas margens de lugar,
que traduzam minhas linhas,
qualquer palavra muda, calma,
com alma,
com gesto e cor,
uma sílaba, uma frase,
um sujeito, um sintágma,
uma interjeição!
qualquer palavra crua, dura e tenaz,
que silencie essas tantas vozes
que dentro de mim
me alucinam
que dentro de ti
me enlouquecem
e que no papel
me saciam...

17 abril, 2006


O homem é, sem dúvida, uma fonte inesgotável de contradições. Talvez por sua falta de natureza e seu excesso de liberdade e espaço, o ser humano, ser inexplicável, ser incompreensível, ser sem serventia e centralizador do mundo nunca consiga harmonizar o que pensa com o que sente, o que sente com o que faz e o que faz com todo o resto. A impulsividade não o poupa de estar sempre vacilando. Age de forma impensada, sim, há coragem, plena consciência, vontade, gana, desejo, e no instante seguinte algo o torna pequeno, covarde, ausente, uma indecisão, uma falta de norte, de rumo, a lucidez sem caminho, o caminho sem ar. Se fosse bicho, saberia exatamente o que fazer. Mas é homem, é duro quando deveria ser terno, é frio quando deveria ser sangue, e intempestivo quando a temperança deveria controlar seus ânimos... é homem... não sabe viver. É José a recuar, é Maria a questionar, é João que sonha e não vive, é Ana que sonha e vive!

Nós somos a única contradição no mundo.

Nós não sabemos usar a razão para viver.

Nós deveríamos nem existir.

Na verdade nós nem existimos: somos uma alucinação coletiva.

Deveríamos tentar viver como pássaros, buscar lá no fundo de nossa alma um restinho de instinto básico, uma fração de nosso perdido manual de instruções. Dentro dele deve estar guardada a receita para agir com coerência, amar com paciência e viver com consciência.

16 abril, 2006

14 abril, 2006


Chega um tempo bom e simples.
Há tantas páginas soltas
Alimentando a insegurança e o medo de ser.
Mas minhas mãos trazem o cheiro das
Palavras... estão vivas,
A bailar pelas escadas.
Guarda o meu sorriso, que
No tempo preciso
Ele te aquecerá.

11 abril, 2006

Intervenção cirúrgica


Chegou o dia operação.
Tinha um problema grave no coração, uma palpitação que fazia lhe arder o peito.
- bisturí!
- Não temos doutor, só um velho marcador de páginas.
- Extensor!
- Só Tolstói capa dura.
- Os sinais estão estáveis?
- Por enquanto sim, está a declamar sonetos de Neruda.
Pi... Pi... Pi... Pi... Pi... Pi...
- Não estou conseguindo... Há uma hemorragia... bem na veia poética da moça... Sinais estáveis?
- Não me parece bem. Florbela Espanca talvez...
Pi.. Pi... Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
- Tente uma dose de nostalgia!
- Nada Doutor.
- Euforia... a Catarse!
- Não, nada ainda.
- Não reage.
- Perdemos a paciente.
- Não... Acho que nasceu uma poeta.

09 abril, 2006

Sentimental (Los Hermanos-Amarante)


- O quanto eu te falei que isso vai mudar. Motivo eu nunca dei...
- Você me avisar, me ensinar, falar do que foi pra você, não vai me livrar de viver! Quem é mais sentimental que eu?!!...
- Eu disse e nem assim se pôde evitar. De tanto eu te falar, você subverteu o que era um sentimento e assim fez dele razão... pra se perder no abismo que é pensar e sentir.
- Ela é mais sentimental que eu!!
- Então fica bem...
- ...se eu sofro um pouco mais
"Se ela te fala assim, com tantos rodeios, é pra te seduzir e te ver buscando o sentido daquilo que você ouviria displicentemente. Se ela te fosse direta, você a rejeitaria."
- Eu só aceito a condição de ter você só pra mim.
- Eu sei, não é assim, mas deixa eu fingir... e rir.



Deixa-me errante pelo caminho
Deixa-me guiar meus passos
com incerteza e vacilo.
Tira de mim qualquer idéia
do que é certo ou errado.
Deixa-me apenas andar e viver
sem pensar no que virá depois.

Queira-me sem futuro
Tenha-me sem passado
Deixa-me ser presente...

descrição


anne lee poeta
põe em suas postagens
poesias e verdades
nem sempre tão secretas.

andava e não calava
sentia e sofria
e não entendia
porque chorava...

resolveu tornar tudo poema
vivendo em cada cena
um pouquinho da cada tema...
um restinho de sua dor...