E mesmo que não houvesse palco, mesmo que nada fosse
ensaiado, mesmo que fossem dois perdidos numa noite roubada, mesmo que todas as
probabilidades apontassem na direção do não, eles diziam sim, porque era
inexorável, porque era inerente à natureza dos dois, transgressores, perdidos,
tolos. E mesmo assim, havia um certo sentido que não deveria estar ali.
Improvisando uma alegria que também estava ali, mas muito
íntima e escondida, ela subiu num local improvável, fez dele um palco
surpreendente, com seu vestido curto de menina arteira que lhe desvendava as
pernas e os pés, e cantou como a diva que sempre será. Cantou manso e rouco e
doce e lindo, como há muito a cidade embrutecida não ouvia um canto. E a música
improvisada, quase uma outra impossibilidade, selou, enfim, o que eles tinham
medo de perceber. Já não adiantava mais nada, já não existiam mais armaduras e
todas as defesas, cruelmente, haviam sido superadas.
Naquela noite a cidade não percebeu que uma estrela brilhava
mais que as outras. Enquanto todos dormiam, eles queriam os primeiros raios de
sol da manhã que não poderia chegar.
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